Da Tolerância à Inclusão e Diversidade
No dia 16 de Novembro de 1995, a ONU instituiu o Dia Internacional para a Tolerância. Com o intuito de reafirmar direitos humanos fundamentais, este dia veio incentivar a convivência pacífica entre pessoas de forma a evitar futuras guerras motivadas por questões culturais.
Chegando a 2020, percebemos que, embora muito tenha sido feito no sentido de incentivar a tolerância e a diversidade, há ainda bastante por fazer, especialmente quando, mais do que tolerância, queremos incentivar inclusão.
Enquanto humanos, vivemos em grupos e em sociedade, o que faz com que estejamos expostos a, pelo menos, alguma diversidade (ou será que não?). Assim sendo, é importante discuti-la em toda a sua amplitude.
Sabemos que muitas das dimensões de diversidade estão ligadas a preconceitos e discriminações. Classe social, cor de pele, orientação sexual, identidade de género, graus de incapacidade (mental, motora e outras), aparência física, religião ou crenças culturais são algumas dessas dimensões. Todas elas importantes pois representam diferentes eixos de opressão nas nossas sociedades, eixos que muitas vezes se intersectam.
Uma das maiores dimensões de discriminação por todo o mundo continua a ser o racismo, com consequências bastante negativas, como todos nós sabemos. Um dos factores que contribui para o exacerbamento do racismo, e das suas consequências, é precisamente a falta de diversidade nos espaços e grupos em que nos movemos.
Por exemplo, nos Estados Unidos temos assistido, nos últimos anos, e em particular em 2020, a um crescimento enorme do movimento Black Lives Matter, movimento civil como resposta à violência policial contra pessoas negras.
Em 2020, no Reino Unido, foi publicado um relatório pelo Comité de Direitos Humanos, que revela que 75% das pessoas negras não acreditam que os seus direitos humanos são protegidos de forma igual aos de pessoas brancas. O documento revela ainda que 60% das pessoas inquiridas não acredita que a sua saúde esteja protegida da mesma forma que a de pessoas brancas (por exemplo a taxa de mortalidade materna é 5 vezes maior para mulheres negras). Sem grandes surpresas, 85% dos respondentes negros acredita que a polícia os trataria de forma diferente da que trataria pessoas brancas. Dadas estas desigualdades, este documento sugere também a necessidade de uma nova legislação ao nível da educação, media, sistema judicial e polícia.
E em Portugal?
O último estudo da European Social Survey, de 2018, procurou medir as diferentes manifestações de racismo em Portugal e os resultados apontam para que as crenças racistas estejam, de facto, bastante disseminadas na nossa sociedade.
Aos participantes foi perguntado se acreditavam que existiam grupos étnicos ou raciais, por natureza, mais inteligentes do que outros; mais trabalhadores do que outros; ou culturas mais civilizadas do que outras.
Os resultados indicam que 62% das pessoas concordaram com, pelo menos uma destas hipóteses, 32% concordaram com todas e, apenas 11% das pessoas rejeitaram estas hipóteses. Dito por outras palavras, apenas 11% da amostra não acredita que existam grupos superiores a outros.
Destes 11%, fazem parte, sobretudo, os mais jovens (70%), as pessoas com maior nível de escolaridade (79% têm licenciatura) e as pessoas que, de acordo com o estudo, têm um grau de rendimentos confortável (75%).
Um outro estudo de 2019, da Universidade de Coimbra, analisou políticas públicas e legislação sobre antidiscriminação, nas áreas da educação, habitação/vizinhança e forças de segurança. Os resultados apontam para que 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial tenham sido arquivados.
Estes e outros estudos continuam a sugerir que ainda há muito por fazer em Portugal.
De acordo, a psicóloga Rosa Cabecinhas, com vasto trabalho desenvolvido nestas áreas, refere que, “embora a própria noção de “raça” tenha sido posta em questão em termos académicos e políticos, e as tipologias raciais tenham sido abolidas há décadas, estas continuam a estruturar os pensamentos do senso comum e da opinião pública”.
A psicóloga explica que muitas das campanhas públicas de sensibilização que se fizeram em Portugal nas últimas décadas levaram a que as pessoas mostrem atitudes mais cuidadas quanto a categorias raciais — as características físicas não devem ser base de discriminação — mas que o mesmo não acontece quanto a categorias étnicas — as diferenças culturais continuam a levar a discriminação.
O que cada um de nós pode fazer?
Contribuir para a diversidade e inclusão passa por ter conversas importantes mas desconfortáveis, olhar para nós próprios e as nossas atitudes, e pensar de que formas contribuímos para um mundo mais tolerante ou não.
Individualmente, podemos aprender mais sobre grupos “diferentes” e sobre os processos, muitas vezes automáticos, que levam a que tenhamos atitudes discriminatórias sem que nos apercebamos. Alargar o grupo de pessoas com quem contactamos e visitar locais que tendemos a evitar ou desconhecemos pode contribuir para conhecermos melhor as nossas atitudes discriminatórias automáticas e tentar evitá-las.
Coletivamente, o treino para a diversidade, em escolas, hospitais e clínicas, órgãos policiais e judiciais, órgãos administrativos, e empresas parece contribuir para o aumento da tolerância. Este treino contribui também para a resolução de conflitos entre grupos e pode levar a uma sociedade mais pacífica e justa.
Rodapé
Raça e Etnia são conceitos socialmente construídos e utilizados para identificar, categorizar e rotular grupos e pessoas. Estes termos fazem parte de processos mais gerais de racialização e etnicização de grupos humanos, num contexto de relações sociais marcadas por assimetrias de poder e relações históricas de dominação (Vala, 2015).
Embora existam vários debates acerca de que terminologia ser usada — aos quais devemos estar atentos — usaremos também termos como raça / etnicidade pois estes conceitos são frequentemente bases para construção e reclamação de identidades, arenas de contestação de poder e eixos de opressão bastante reais.
Referências
Blaine, B. E. (2013). Introduction to the Psychology of Diversity. In Understanding the psychology of diversity (pp. 1–20). Sage.
Hewer, M. (2015, July 30). Why Should Psychological Science Care About Diversity? https://www.psychologicalscience.org/observer/why-should-psychological-science-care-about-diversity.
Committee on Human Rights (2020). Black people, racism and human rights (Eleventh Report of Session 2019–21).
House of Commons and House of Lords https://committees.parliament.uk/publications/3376/documents/32359/default/
Observatório das Migrações (2018). O estudo da discriminação racial e étnica. ACM — Alto Comissariado para as Migrações https://www.om.acm.gov.pt/2018-o-estudo-da-discriminacao-racial-e-etnica
Vala, J., Brito, R., Lopes, D. (2015). Expressões dos Racismos em Portugal. Imprensa de Ciências Sociais https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/22539/1/ICS_JVala_Racismos_LAN.pdf