3 porquês com Leonor de Oliveira

Leonor de Oliveira é formada em Psicologia Clínica Sistémica pela Universidade de Lisboa e em terapia sexual pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. É estudante de doutoramento do Programa Doutoral em Sexualidade Humana da Universidade do Porto e membro do seu Centro de Investigação em Psicologia. O seu tópico de estudo principal é o aborrecimento sexual a as suas relações com aspetos individuais, relacionais e societais. Criou em 2014 o projeto de social media @prontoadespir, focado na educação sexual baseada na evidência e na defesa dos direitos sexuais.

Porque é que ninguém fala sobre este tema? Porque é importante abordá-lo?

Não compreendo muito bem porque é que este tema passou durante tanto tempo debaixo do radar dxs investigadorxs quando parece ser algo tão intuitivo e relevante para as pessoas. A mim começou por interessar-me porque pensei que poderia ter um papel muito importante nos problemas de desejo sexual, sobretudo nas mulheres. Apesar de os números serem muito variáveis entre estudos e países, muitos estudos estimam que até 50% das mulheres sentem ou vão sentir uma perda importante de desejo sexual pelxs parceirxs. Isto a mim diz-me que o baixo desejo é a norma, e não a exceção. Incomoda-me. Significa que estamos a dizer que metade das mulheres poderão sofrer de disfunção, que são “patológicas” por sentir menos desejo do que a pessoa com quem estão (muitas mulheres procuram terapia sexual devido a discrepâncias de desejo na relação). Acho que estamos a olhar para as coisas de forma errada e a fazer estas mulheres sentirem-se extremamente culpadas. Antes de começar a estudar o aborrecimento sexual pareceu-me possível que muitos dos problemas de desejo sexual fossem explicados pela monotonia e aborrecimento, não por um estado de doença. Hoje, já com alguns estudos concluídos e outros a caminho, tenho a certeza. Não esqueçamos que um dos dados dos estudos que fizemos sugere que as mulheres que sentem muito aborrecimento sexual e pouco desejo pelxs parceirxs, sentem muito desejo por pessoas atraentes… Se esta experiência for comum (temos que continuar a investigar), podemos tirar o ónus destas mulheres e trabalhar nos fatores contextuais. Desconfio que se o diagnóstico de disfunção do desejo excluísse aquelas mulheres que sentem desejo por outrxs não parceirxs veríamos muito reduzida a percentagem de mulheres que recebe este diagnóstico.

Porque é que ele acontece?

Neste mesmo estudo, as pessoas indicaram que podia estar relacionado com atividade sexual repetitiva ou rotineira ou simplesmente com o facto de se fazer sexo com a mesma pessoa, ou seja, que estaria associado à monogamia ou à duração das relações.

Outros estudos apontam que fatores relacionais como a satisfação relacional e a existência de conflito nas relações também contribuem para o aborrecimento sexual. Além disso, alguns aspetos da personalidade, como a propensão para o aborrecimento geral, também podem ajudar a que se sinta mais aborrecimento sexual.

Noutro estudo que fizemos, verificamos que há bastante variabilidade no aborrecimento sexual. Mais especificamente, que as pessoas parecem dividir-se em três grupos com diferentes graus de aborrecimento sexual. As pessoas que parecem sentir menos aborrecimento sexual são aquelas que à partida também têm menos desejo e que, possivelmente, farão sexo com menos regularidade. Por outro lado, quando o fazem, sentem grande prazer e grande satisfação sexual. Depois há um grupo que sente muito aborrecimento sexual e simultaneamente pouco prazer e, talvez por isso mesmo, pouco desejo sexual. No entanto, as mulheres deste grupo com alto aborrecimento sexual, continuam a sentir desejo sexual por outras pessoas atraentes que não xs parceirxs, enquanto os homens deste grupo não apresentam desejo sexual nem pelxs parceirxs nem por outrxs atraentes. Estes dados sugerem que, não só o prazer e a satisfação sexual retiradas das relações sexuais têm impacto em termos de aborrecimento sexual, como que este impacto pode ser diferente em homens e mulheres. Por fim, num outro grupo, encontramos pessoas com aborrecimento sexual moderado a elevado, mas que sentem prazer, satisfação e desejo sexual. São também pessoas que têm mais tendência em procurar sensações sexuais. É possível que esta tendência esteja relacionada com o facto de estas pessoas se aborrecerem com mais facilidade. Não obstante, parece ser um fator protetor, já que pode explicar porque estas pessoas continuam a sentir prazer e a ter desejo. De qualquer forma estes são todos estudos preliminares… Ainda é preciso investigar muito mais para obter respostas concretas

Carlos Costa