3 porquês com Susana Batel
Susana Batel é doutorada em Psicologia Social, Comunitária e Ambiental pelo ISCTE onde é Investigadora integrada no Centro de Investigação de Intervenção Social. Trabalha com perspectivas críticas e interdisciplinares na análise das relações entre as pessoas, o ambiente e o território. É co-editora na revista científica Papers on Social Representations.
Nesta entrevista, optámos por manter o estilo da autora.
Porque falamos em colonialismo energético? É o mesmo que racismo ambiental?
Nas sociedades atuais do Norte Global, que são globalizadas e energeticamente intensivas, fala-se cada vez mais da chamada transição verde, para sociedades ambientalmente mais sustentáveis e carbonicamente neutras. No entanto, e tendo em conta que esta transição verde está assente no mesmo sistema político-económico da anterior transição industrial e carbonicamente intensiva (ver resposta pergunta 3), continua a contribuir para reproduzir as sociedades social e ecologicamente desiguais e injustas em que vivemos atualmente. O colonialismo energético é um conceito que pretende chamar a atenção para e oferecer uma lente de análise e de contestação ao facto de que nestas sociedades atuais são praticadas novas formas de colonialismo relacionadas com a geração de energias renováveis e tecnologias associadas que têm muitas semelhanças com as práticas coloniais históricas eurocêntricas constituintes das nossas sociedades atuais e violências associadas, como o racismo estrutural, e quais alguns sectores da sociedade portuguesa começam agora a discutir e tentar mudar. O princípio do colonialismo energético é então o do explorar e extrair recursos de outras regiões e comunidades, exportando para os grupos mais desfavorecidos e com menos poder (com base em intersecções de classe social, género, grupo étnico-racial, geografia — como os países do Sul Global e as zonas rurais), os custos e responsabilidades sociais e ambientais da construção de infra-estruturas energéticas, na sua maioria de larga-escala, como parques eólicos e solares, grandes barragens, linhas de muito alta tensão, minas de lítio,… E isto apesar das sociedades do Norte Global serem dos maiores consumidores de energia. Os custos e impactos destas infra-estruturas podem ser muito diversos, como perdas de biodiversidade local e impactos nos ecossistemas e outros associados para a agricultura; transformação das paisagens e comunidades locais; expropriações e realojamentos; ruído e outros potenciais riscos para a saúde. Neste sentido, podemos dizer que o racismo ambiental — atribuir de forma desproporcional riscos, perigos e custos ambientais a uma comunidade em vez de outra com base nas suas características etnico-raciais, isto é, de ser composta sobretudo por uma minoria étnico-racial — é uma, entre outras, formas de violência e injustiça que estão a ser promovidas e reproduzidas pelo colonialismo energético das chamadas transições energéticas verdes e de baixo carbono. Um exemplo crítico e evidente de racismo ambiental é o vivido pelas comunidades negras e latina do sudeste da cidade de Chicago, para onde foi recentemente deslocada também uma estação de reciclagem de metal que tinha sido inicialmente proposta para ser construída noutra zona de Chicago onde vivem comunidades brancas e ricas mas que foi rejeitada por estas comunidades.
Porque é importante pensar global e agir local?
Aquilo que acabei de descrever sobre o colonialismo energético e racismo ambiental torna evidente porque é necessário pensar global e agir local. Promover transformações para sociedades que sejam realmente de baixo carbono torna necessário reconhecer e respeitar os sentidos de lugar e de comunidade e os ecossistemas a nível local, mas dentro de um ideal de ‘paroquialismo’ positivo, isto é, aberto e não discriminatório a outros lugares e comunidades; ou, como diria Doreen Massey, articulado com um sentido de lugar global. Este foco multi-escala poderá ajudar a criar as condições para garantir justiça sócio-ecológica nas transformações energéticas tanto a nível local como a nível global e para promover mais solidariedade e entre-ajuda entre países e entre comunidades o que, por seu turno, potenciará alternativas coletivas às transições verdes capitalistas atualmente em marcha. Em termos práticos, isto poderá implicar trabalhar no sentido da descentralização dos sistemas energéticos, isto é, com infra-estruturas de geração mais locais, mais perto dos locais de consumo e de menor impacto que passem a ser governadas por e para as comunidades locais, como ao nível de quarteirões nas cidades ou de aldeias nos territórios rurais; na inclusão justa das comunidades de carbono atuais nas transformações para a neutralidade carbónica, isto é, incluir, apoiar e criar empregos dignos e justos para quem vive da indústria de carbono e outras indústrias e serviços associados; e também, essencialmente, decrescimento.
Porque é que o degrowth é importante?
Degrowth — decrescimento — é um paradigma de mudança societal que parte da ideia de que, historicamente, já foi demonstrado que é impossível separar o crescimento económico da exploração de recursos e dominação e destruição dos ecossistemas e comunidades associadas. Assim o degrowth, enquanto movimento global, contesta o funcionamento político e económico capitalista das sociedades atuais, principalmente as do Norte Global, que é baseado e promove ideias como o crescimento económico assente na produção e consumo sem limites, a acumulação, o individualismo, e que é responsável pela destruição dos ecossistemas e perda de biodiversidade e consequências associadas, como as alterações climáticas e eventos críticos relacionados como o aumento da subida do nível do mar, as ondas de calor, os incêndios, os furacões, as cheias, entre outros, com impactos diretos paras o bem-estar e vidas das pessoas em todo o mundo, ainda que afetando de forma desproporcional as sociedades e comunidades do Sul Global e, de maneira geral, os grupos e comunidades mais desfavorecidas e marginalizados — as mulheres, as minorias étnico-raciais, os pobres. Este movimento de decrescimento pretende então mudar este paradigma e promover sociedades e comunidades assentes no princípio da suficiência, e que sejam mais participativas, igualitárias, solidárias e circulares, em que as pessoas consumam menos, partilhem, re-usem, reciclem e troquem mais bens e serviços e que através disso promovam o bem estar e a qualidade de vida das gerações humanas e ecossistemas atuais e futuros, e de forma justa a nível global, ou seja, sem isso implicar a contínua destruição de outras espécies, comunidades e lugares no planeta.