O contexto da pobreza em inovações sustentáveis

Por Pedro Garcia-Marques

O mundo está cada vez mais perto do fim. O comportamento humano constitui a principal ameaça à biodiversidade. A necessidade de estruturar uma sociedade centrada na sustentabilidade ganha assim todos os dias maior relevância.

A Organização das Nações Unidas (ONU) define desenvolvimento sustentável como “responder às necessidades do presente sem comprometer as das gerações futuras”. Mas, para alcançar um impacto real, a sustentabilidade deve não só, não comprometer mas também melhorar os ganhos ao longo das gerações. Nos últimos anos alguns progressos têm sido feitos, e os 193 países que integram a ONU comprometeram-se com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável. Estes objectivos compreendem áreas tão diversas como a economia, educação ou saúde. Dentre estas áreas, os desafios da criação de riqueza e da conservação dos ecossistemas são ambos colossais, talvez por isso, ao longo das últimas décadas, tenham sido julgados como problemas individuais.

Num artigo publicado no Journal of Management Studies em 2012, Susanna Khavul e Garry D. Bruton argumentam que o caminho correto para combater a pobreza de uma maneira sustentável é desenvolvendo inovações que ajudem a combater estes problemas ao mesmo tempo. No entanto, para estas inovações serem corretamente introduzidas no mercado é necessário resolver o last mile problem: isto é quando já existe tecnologia e infra estruturas mas estas não são utilizadas. Para tal, é necessário entender o contexto em que as inovações estão inseridas e adaptar e customizar as intervenções.

Inovações sustentáveis devem ser estruturadas com os consumidores locais, redes de comunicação e ecossistema empresarial em mente. Se as inovações forem estruturadas com boas intenções, mas idealizadas para as pessoas erradas, os resultados obtidos serão sempre uma decepção. Uma das situações em que esta premissa deve estar bem presente, é na aplicação de inovações sustentáveis em países em desenvolvimento, onde o contexto tem como elemento principal a Pobreza, já que esta não existe em isolamento e as suas implicações vão além da política económica. Historicamente, países desenvolvidos exportam a sua melhor e mais avançada tecnologia para ajudar a combater a pobreza; no entanto, são descartadas as barreiras que a pobreza produz no contexto social. Tomemos assim alguns exemplos de inovações que trariam melhores condições para aqueles que vivem em pobreza, sem comprometer o meio ambiente, mas por terem sido desenvolvidas sem levar em conta o contexto total, acabaram por não ter a aceitação prevista:

Fogões a combustível

2.5 mil milhões de pessoas dependem totalmente da queima de combustíveis de biomassa para cozinhar. Com este tipo de cozinha vem o aumento da desflorestação, poluição do ar e aumento de riscos de problemas respiratórios. A solução que parece ser clara é uma mudança para cozinha de combustível eficiente. No entanto, a implementação desta inovação tem falhado porque as soluções são habitualmente criadas para um consumidor diferente do real, onde é o consumidor que tem que se adaptar à tecnologia e não a tecnologia ao consumidor. Mais, o que é optimizado não é significante para o consumidor local, por exemplo, se é idealizada uma nova forma de cozinhar, aparentemente mais prática, mas a população prefere continuar a cozinhar como o costume na sua cultura ou se o produto for economicamente eficiente mas o custo inicial for elevado, existe uma barreira de entrada para pessoas que vivem em pobreza e não conseguem acumular capital.

Lição 1: Para idealizar, produzir e comercializar inovações apropriadas para aqueles que vivem em pobreza, é necessário investir tempo e dinheiro para adquirir um conhecimento profundo do local e dos clientes locais. Sem esse esforço, corre-se o risco de desenvolver inovações que os consumidores não precisam e não conseguem usar.

Água Potável

Metade das 2.6 mil milhões de pessoas que vivem em países em desenvolvimento tem falta de acesso ao saneamento básico. As consequências são devastadoras, sendo que 80% das doenças e mortes daqueles que vivem na pobreza advém de doenças transmitidas pela água. Existem soluções de baixo custo (e.g. cloração) para purificar a água e os consumidores até estariam dispostos a pagar esse preço. No entanto, quando a comunicação não é potencializada acaba-se por não usar estas soluções, quando a comunicação é feita a cada consumidor e não na rede de comunicação. Se se conseguir a aceitação da inovação por parte de líderes e de um grupo de entusiastas, a mensagem será amplificada. Depois de ser amplificada, a conformidade irá tratar do resto. Pessoas confiam nas pessoas próximas e seguem os seus comportamentos, criando novas normas.

Lição 2: Se queremos que a inovação perdure é necessário considerar não só as pessoas, como as redes de comunicação e poder em que se encontram, pois estas podem aumentar ou diminuir a adopção das novas tecnologias.

Eletricidade

840 milhões de pessoas não têm acesso a eletricidade. Seria necessário um investimento massivo para a criação de redes eletrificadas em larga escala. A falta de eletricidade, não só limita a produtividade como danifica o meio ambiente com a utilização de alternativas poluentes a luz elétrica. No entanto, existem soluções como a energia solar. Através de campanhas internacionais foram instalados milhares de painéis da Nigéria à Tanzânia. Mas, rapidamente ficaram em desuso por problemas técnicos. Sem existir uma integração da inovação no contexto empresarial, não existirá pessoal treinado para reparar os painéis a baixo custo.

Lição 3: Construir inovações apoiadas pelos ecossistemas requer conhecimento local, aumentando a probabilidade de adoção e compromisso contínuos. O compromisso com o ecossistema de negócios local aumenta a confiança entre o cliente e o inovador, criando um relacionamento próspero.

Inovações que aumentam a sustentabilidade podem resolver o impasse que tem impedido um progresso substancial na interseção da sustentabilidade, pobreza, e o ambiente natural, mas apenas se resolverem o last mile problem, ou seja, as inovações não precisam apenas chegar de às mãos das pessoas mais pobres, também precisam de lá se manter, sendo isto mais provável se essas inovações forem desenvolvidas com clientes locais, redes locais e ecossistemas locais em mente.


Referências:

Carlos Costa