O lugar, a pessoa e a aceitação de infraestruturas energéticas
Por Sofia Coelho
Muito se fala sobre as alterações climáticas e como podemos contribuir para a melhoria do nosso planeta. Mas será que aceitamos ter infraestruturas energéticas, tais como linhas de alta tensão, estações de energia nuclear ou estações eólicas, que visam mitigar as alterações climáticas perto de nós ou de um sítio com o qual temos uma ligação?
A investigação sobre respostas de locais face à implementação de infraestruturas energéticas tem-se debruçado sobre a abordagem baseada no lugar (1). Esta abordagem foca-se no lugar onde o projeto é situado, nas ligações emocionais dos residentes ao mesmo (ligações de lugar), nos significados associados ao mesmo (identidade de lugar) e no fit (ou não) entre a proposta do projeto e o lugar (1, 2, 3). As ligações de lugar podem explicar a aceitação social das propostas energéticas. Por exemplo, residentes locais com ligações de lugar fortes podem opor-se a um projeto energético por o interpretarem como industrialização de um lugar rural (2, 4, 5), ou apoiá-lo se o interpretarem como promoção da distinção e continuidade histórica do local (6, 7, 8).
Apesar disto, as pessoas não criam só ligações de lugar com locais perto de onde moram (ligações locais), e podem até não sentir ligação com o local onde vivem atualmente (9, 10) mas sentir-se fortemente ligadas a outros sítios (ligações não-locais) como, por exemplo, onde viveram anteriormente. Patrick Devine-Wright e Susana Batel, num artigo publicado na revista científica Global Environment Change em 2017, investigaram como ligações de lugar (locais e não-locais) influenciam crenças públicas e atitudes face a infraestruturas energéticas. Foram então colocadas três questões de investigação:
Até que ponto os indivíduos sentem ligações com lugares a várias escalas, desde a vizinhança onde vivem até todo o planeta?
De que forma é que as ligações de lugar se relacionam com as crenças sobre linhas de alta tensão (confiança, atitudes gerais e locais, vontade de agir contrariamente a propostas próximas e vontade de apoiar a mudança do sistema energético)?
Como se relacionam as características pessoais dos indivíduos com as ligações de lugar a diferentes níveis (local, nacional, global)?
Xs autorxs lançaram um questionário com o objetivo de examinar as crenças públicas e atitudes de uma amostra representativa de pessoas do Reino Unido. Neste foram abordados tópicos como:
Ligações de lugar (a nível local, nacional e global)
Atitudes gerais face a redes de alta tensão
Perceção do impacto de redes de alta tensão
Confiança no operador de rede
Atitudes locais face a redes de tensão
Vontade de agir (participar num protesto ou apoiar ações face a propostas de novas redes de tensão próximas)
Xs participantes foram divididxs em cinco grupos, tendo em conta as diferentes ligações de lugar que eram mais predominantes nas suas respostas:
Locais: pessoas com ligações (de lugar) locais mais fortes comparativamente a ligações nacionais e globais
Nacionais: pessoas com ligações nacionais mais fortes comparativamente a ligações globais e locais
Globais: pessoas com ligações globais mais fortes comparativamente a ligações locais e nacionais
Glocais: pessoas com ligações fortes a nível local, nacional e global
Nocais: pessoas com níveis reduzidos de ligação a nível local, nacional e global
Xs locais mostraram maior probabilidade de protestar e menor probabilidade de agir e apoiar uma proposta energética próxima. Este grupo também tendeu a discordar que as redes de alta tensão trazem benefícios económicos.
Xs nacionais mostraram níveis de confiança mais elevados no sistema operador de rede, níveis mais baixos de preocupação com as alterações climáticas, menor disposição para aceitar a possibilidade de apagões, para evitar a construção de novas linhas elétricas e para apoiar uma rede partilhada à escala europeia. Este grupo era mais propenso a ter opiniões mais positivas face a infraestruturas energéticas que são vistas como manutenção ou reforço da identidade nacional, e a ter opiniões mais negativas face a infraestruturas ou ações energéticas que são vistas como ameaça às identidades nacionais.
Xs globais mostraram crenças mais positivas sobre tecnologias energéticas descentralizadas de fontes de energia renováveis e tecnologias que podem sinalizar um movimento fora das redes centralizadas para as redes de abastecimento locais. O facto de terem sido mais favoráveis à descentralização energética e de mostrarem elevados níveis de preocupação climática parece sugerir que este grupo representa um movimento em direção às fontes de energia renováveis como tendo um papel importante na mitigação das alterações climáticas.
Xs glocais mostraram maior disposição para agir (vontade de reduzir a procura pessoal para evitar a construção de novas linhas elétricas ou vontade de protestar e apoiar propostas de novas linhas) e mostraram também maior probabilidade de apoiar uma rede europeia partilhada e elevados níveis de preocupação com as alterações climáticas. Este grupo incluía pessoas que se sentiam fortemente ligadas à localidade onde viviam, mesmo que não tenham vivido lá por muito tempo, e que estavam ativamente envolvidas em eventos locais, e com elevados níveis de capital cultural.
Xs nocais mostraram baixos níveis de envolvimento em questões políticas e ambientais, níveis mais baixos de confiança no operador de rede, menor vontade de agir, menor apoio a uma rede europeia e menor preocupação com as alterações climáticas.
O apoio da mudança para sistemas energéticos de menor escala que utilizam fontes de energia renováveis parece ser influenciado pela preocupação com alterações climáticas e pela ligação de lugar (a nível global/nacional) das pessoas. Este estudo demonstra o papel de ligações locais e não-locais na explicação de crenças e atitudes públicas em relação a infraestruturas energéticas, e revela a importância das ligações lugar-pessoa que não foram exploradas em estudos anteriores, particularmente quando falamos de pessoas com ligações fortes a nível local, nacional e global e de pessoas sem ligações de lugar.
Referências
Devine-Wright, P., & Batel, S. (2017). My neighbourhood, my country or my planet? The influence of multiple place attachments and climate change concern on social acceptance of energy infrastructure. Global Environmental Change, 47, 110–120. doi: 10.1016/j.gloenvcha.2017.08.003
Devine-Wright, H. & Devine-Wright, P. (2009). Social representations of electricity network technologies: exploring processes of anchoring and objectification through the use of visual research methods. Br. J. Soc. Psychol. 48, 357–373.
Vorkinn, M. & Riese, H. (2001). Environmental concern in a local context: the significance of place attachment. Environ. Behav. 33, 249–263.
McLachlan, C. (2009). ‘You don’t do a chemistry experiment in your best China’: symbolic interpretations of place and technology in a wave energy case. Energy Policy 37, 5342–5350.
Devine-Wright, P. & Howes, Y. (2010). Disruption to place attachment and the protection of restorative environments: a wind energy case study. J. Environ. Psychol. 30, 271–280.
Batel, S., Devine-Wright, P., Wold, L., Egeland, H., Jacobsen, G., & Aas, O. (2015). The role of (de-) essentialisation within siting conflicts: an interdisciplinary approach. J. Environ. Psychol. 44, 149–159.
Devine-Wright, P. (2011). Place attachment and public acceptance of renewable energy: a tidal energy case study. J. Environ. Psychol. 31, 336–343.
Devine-Wright, P. (2011). Enhancing local distinctiveness fosters public acceptance of tidal energy: a UK case study. Energy Policy 39, 83–93.
Venables, D., Pidgeon, N.F., Parkhill, K.A., Henwood, K.L., & Simmons, P. (2012). Living with nuclear power: sense of place, proximity, and risk perceptions in local host communities. J. Environ. Psychol. 32, 371–383.
Manzo, L. (2005). For better or for worse: exploring multiple dimensions of place meaning. J. Environ. Psychol. 25, 67–86.
Lewicka, M. (2011). On the variety of people’s relationship with places. Environ. Behav. 43, 676–709.