A idade aumenta e a vulnerabilidade a fake news também

Por Sofia Coelho

A desinformação tem várias consequências, sendo uma delas a partilha de notícias falsas, as chamadas fake news. Xs adultxs mais velhxs são especialmente suscetíveis e a explicação mais frequente para isto é o declínio cognitivo que acompanha o envelhecimento. Mas será que o declínio cognitivo é o único responsável por esta maior suscetibilidade à propagação de fake news? É a esta questão que xs investigadorxs Nadia M. Brashier e Daniel L. Shacter pretendem responder, na revista científica Current Directions in Psychological Science, em 2020.

Envelhecimento e alterações cognitivas

Todxs nos apoiamos em atalhos mentais (i.e., heurísticas) para avaliar informação como verdadeira ou falsa (1). Um destes atalhos consiste em utilizar a repetição como um sinal de veracidade. Repetir afirmações aumenta a nossa perceção da veracidade dessas afirmações — faz com que estas afirmações sejam mais fáceis de processar e, como tal, parecerem mais verdadeiras do que afirmações recentes (2), tanto em adultxs mais jovens como mais velhxs (3,4). Infelizmente, com fake news uma única exposição a uma afirmação falsa aumenta a crença na mesma mais tarde (5) e a repetição desta afirmação aumenta ainda mais a ilusória credibilidade da mesma, especialmente em adultxs mais velhxs.

No entanto, incluir informação que categoriza afirmações falsas como falsas pode levar a que a exposição repetida a estas afirmações resulte numa maior capacidade de discriminação de informação falsa, no caso de jovens adultxs. Mas acontece o inverso com adultxs mais velhxs. Isto é, quando adultxs mais velhxs são repetidamente expostos a declarações assinaladas como falsas, a sua crença nestas afirmações parece aumentar (6). Uma possível explicação para este resultado é que as pessoas mais velhas terão maior tendência em esquecer a informação que assinala certas afirmações como falsas, acabando por confiar mais nas suas crenças.

Adultxs mais velhxs também têm mais dificuldade em lembrar-se de detalhes sobre a fonte da informação (7), o que sugere que a informação referente à veracidade da afirmação desaparece da memória, enquanto a (des)informação original se mantém. Por exemplo, xs adultxs mais velhxs podem aprender a corrigir um mito a curto prazo mas voltam à crença inicial mais tarde (8).

Mas existem também fatores de proteção contra as fake news que aumentam com a idade. Apesar disto, o conhecimento geral é algo que melhora com a idade. As pessoas mais velhas continuam a acumular factos sobre o mundo, o que pode ajudar na avaliação sobre a veracidade de alegações. Por exemplo, enquanto que repetir alegações como “o animal terrestre mais rápido é o leopardo” engana xs jovens adultxs (mesmo quando sabem a verdade — que a chita é a mais rápida; 9), xs adultxs mais velhxs mantêm-se fiéis ao seu conhecimento e rejeitam afirmações contraditórias ao mesmo (10).

O facto de xs adultxs mais velhxs dependerem das suas bases de conhecimento pode explicar porque é que as suas perceções iniciais tendem a estar corretas, visto que a capacidade de distinguir alegações verdadeiras de falsas aumenta com a idade. Sem repetição e falhas de memória, xs adultxs mais velhxs superam xs jovens adultxs.

Envelhecimento e mudanças sociais

A confiança nxs outrxs parece aumentar com a idade (11), sendo que adultxs mais velhxs referem confiar mais em familiares, amigxs, vizinhxs e estranhxs (12), podendo assumir que os conteúdos partilhados por estes são verdadeiros. Além disto, ao poderem seguir páginas questionáveis e robots que lhes parecem contas reais, a exposição a fake news aumenta.

Comparativamente a jovens adultxs, adultxs mais velhxs parecem ter menor capacidade para distinguir verdades de mentiras (13) e para detetar mentiras (14). No entanto, xs adultxs mais velhxs parecem memorizar mais facilmente quando alguém é pouco fiável do que afirmações assinaladas como verdadeiras ou falsas (6).

Alguns estudos sugerem que xs adultxs mais velhos focam-se na essência em vez de nos detalhes (15). Por exemplo, ao contar histórias a uma criança simplificam mais do que se contassem por exemplo, à pessoa que está a fazer a investigação. O mesmo pode acontecer online, ao ignorar erros em detrimento da partilha de uma mensagem moral (por exemplo, sobre candidatxs políticxs ou um partido).

Iliteracia digital

Sendo que, mesmo jovens adultxs, mais experientes no digital, têm dificuldade em discriminar as várias fontes de notícias online (16), a menor experiência dxs adultxs mais velhxs na internet pode deixá-los em desvantagem. Esta desvantagem é agravada pelo facto de, como já vimos, a capacidade de lembrar e distinguir fontes de informação piora com a idade (17).

A presença de imagens aumenta a vontade de partilhar informação — quer seja verdadeira ou falsa (18) — e a perceção da sua veracidade. De facto, as pessoas parecem ser mais propensas a aceitar afirmações com fotografias não informativas (18). Esta tendência persiste ao longo da vida (Derksen, Giroux, Newman, & Bernstein, citado por Brashier & Schacter, 2020). Além disto, a capacidade de distinguir fotos reais de fotos falsas diminui com a idade — ao ver cenários alterados do mundo real, xs adultxs mais velhxs não identificam objetos adicionados ou removidos, ângulos distorcidos e sombras inconsistentes (Nightingale, Wade, & Watson, citado por Brashier & Schacter, 2020).

Em suma, além dos declínios e alterações cognitivas que ocorrem com o aumento da idade, também as mudanças sociais (maior confiança, dificuldade em detetar mentiras, e menor ênfase na precisão na comunicação) aliadas a uma baixa literacia digital contribuem para uma maior suscetibilidade a fake news nos adultxs mais velhxs. Este artigo mostra a importância que a ciência psicológica tem, permitindo uma melhor compreensão da atual crise de desinformação e fornecendo uma explicação para a vulnerabilidade das pessoas mais velhas a fake news.


Referências

  1. N. M., Brashier & D. L., Schacter (2020). Aging in an Era of Fake News. Current Directions in Psychological Science. 29(3), 316–323. DOI: 10.1177/0963721420915872

  2. Brashier, N. M., & Marsh, E. J. (2020). Judging truth. Annual Review of Psychology, 71, 499–515.

  3. Unkelbach, C., Koch, A., Silva, R. R., & Garcia-Marques, T. (2019). Truth by repetition: Explanations and implica- tions. Current Directions in Psychological Science, 28, 247–253. doi:10.1177/0963721419827854

  4. Mutter, S. A., Lindsey, S. E., & Pliske, R. M. (1995). Aging and credibility judgment. Aging and Cognition, 2, 89–107. doi:10.1080/13825589508256590

  5. Parks, C. M., & Toth, J. P. (2006). Fluency, familiarity, aging, and the illusion of truth. Aging, Neuropsychology, & Cognition, 13, 225–253. doi:10.1080/138255890968691

  6. Pennycook, G., Cannon, T. D., & Rand, D. G. (2018). Prior exposure increases perceived accuracy of fake news but has no effect on entirely implausible statements. Journal of Experimental Psychology: General, 147, 1865–1880. doi:10.1037/xge0000465

  7. Skurnik, I., Yoon, C., Park, D. C., & Schwarz, N. (2005). How warnings about false claims become recommenda- tions. Journal of Consumer Research, 31, 713–724. doi:10 .1086/426605

  8. Mitchell, K. J., & Johnson, M. K. (2009). Source monitoring 15 years later: What have we learned from fMRI about the neural mechanisms of source memory? Psychological Bulletin, 135, 638–677. doi:10.1037/a0015849

  9. Swire, B., Ecker, U. K. H., & Lewandowsky, S. (2017). The role of familiarity in correcting inaccurate information. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 43, 1948–1961. doi:10.1037/xlm0000422

  10. Fazio, L. K., Brashier, N. M., Payne, B. K., & Marsh, E. J. (2015). Knowledge does not protect against illusory truth. Journal of Experimental Psychology: General, 144, 993– 1002. doi:10.1037/xge0000098

  11. Brashier, N. M., Umanath, S., Cabeza, R., & Marsh, E. J. (2017). Competing cues: Older adults rely on knowledge in the face of fluency. Psychology and Aging, 32, 331–337. doi:10.1037/pag0000156

  12. Poulin, M. J., & Haase, C. M. (2015). Growing to trust: Evidence that trust increases and sustains well-being across the life span. Social Psychological and Personality Science, 6, 614–621. doi:10.1177/1948550615574301

  13. Li, T., & Fung, H. H. (2013). Age differences in trust: An inves- tigation across 38 countries. The Journals of Gerontology B, 68, 347–355. doi:10.1093/geronb/gbs072

  14. Ruffman, T., Murray, J., Halberstadt, J., & Vater, T. (2012). Age-related differences in deception. Psychology and Aging, 27, 543–549. doi:10.1037/a0023380

  15. Stanley, J. T., & Blanchard-Fields, F. (2008). Challenges older adults face in detecting deceit: The role of emo- tion recognition. Psychology and Aging, 23, 24–32. doi:10 .1037/0882–7974.23.1.24

  16. Barber, S. J., & Mather, M. (2014). How retellings shape younger and older adults’ memories. Journal of Cognitive Psychology, 26, 263–279. doi:10.1080/20445911.2014.892494

  17. McGrew, S., Breakstone, J., Ortega, T., Smith, M., & Wineburg, S. (2018). Can students evaluate online sources? Learning from assessments of civic online reasoning. Theory & Research in Social Education, 46, 165–193. doi:10.1080/ 00933104.2017.1416320

  18. Amazeen, M. A., & Wojdynski, B. W. (2018). The effects of disclosure format on native advertising recognition and audience perceptions of legacy and online news publishers. Journalism. Advance online publication. doi:10.1177/1464884918754829

  19. Fenn, E., Ramsay, N., Kantner, J., Pezdek, K., & Abed, E. (2019). Nonprobative photos increase truth, like, and share judgments in a simulated social media environment. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 8, 131–138. doi:10.1016/j.jarmac.2019.04.005

Carlos Costa