Descobrindo Propósito
Por Pedro Garcia-Marques
A investigação do propósito, originada por Vicktor Frank em 1959, tem demonstrado que, tendo um propósito, podemos viver melhor, com mais saúde e felicidade (1).
Com tantos benefícios, é natural fazermos a pergunta: Qual é o meu propósito? Mais natural é ainda não sabermos responder a esta pergunta, seja porque o buscamos ou porque confundimos a sua definição com a definição de “sentido da vida.” Ora, sentido da vida é uma definição que engloba o próprio propósito, podendo ser definido como: sensação de que nossa vida vale mais do que a soma das suas partes, integrando quatro necessidades principais (propósito, valor, eficácia e autoestima). Já o propósito é definido como a intenção significativa e relativamente estável para alcançar algo que tenha impacto para nós e para o mundo além de nós.
Propósito é algo que não se cria, mas sim se descobre e cada um pode ter o seu caminho, podendo demorar mais ou menos tempo. O que é essencial é a contínua curiosidade que nos leva às perguntas e ações que desencadeiam o seu encontro. Deste modo, a ciência não consegue criar intervenções que originem propósito em cada um, mas sim desenvolver intervenções que nos levam a questionar e a agir, cumprindo objetivos que nos deixam mais próximos do nosso propósito.
Neste momento, pode perguntar como posso desenvolver o meu propósito? Com base nos trabalhos de Kashdan e Mcknight (2) e de Schippers e Ziegler (3), apresentamos um caminho para esse encontro com o propósito pessoal.
A escolha deste caminho é um processo proativo, que pode começar a desenvolver-se assim que terminar de ler este artigo. A ideia é que, através de um esforço e de uma reflexão ativa, definindo objetivos, metas e planos, pode ficar mais perto do seu propósito.
Assim, o primeiro passo é fazer o tal esforço para refletir proativamente sobre a sua vida atual, a futura e sobre os objetivos que gostaria de alcançar. Para tal, pegue numa caneta e responda às seguintes perguntas:
1. O que gosta de fazer? Que tipo de relacionamentos gostaria de ter (tanto na sua vida privada como profissional)? Que tipo de carreira gostaria de ter? Que estilo de vida gostaria de ter?
2. Quais são as competências, qualidades e hábitos que admira nos outros? Quais gostaria de ter? Quais é que já tem?
3. Quais são as relações que dá mais importância? Quais são as que lhe trazem mais valor?
O objectivo é, no final, conseguir escrever, em menos de 10 palavras, o que é verdadeiramente essencial na sua vida e o que impacta a si e outros, isto é, qual é o seu propósito. Se não conseguir escrever a frase imediatamente, não importa. Como referi antes, o importante é continuar a fazer as perguntas, procurar e agir. Citando André Gide, prémio nobel da literatura : “A lagarta que tentasse ‘conhecer-se bem’ jamais se tornaria uma borboleta”, isto é, para desenvolver um sentido de propósito não basta refletir, sendo também necessário ação: envolva-se em eventos novos e desafiantes que lhe permitam capitalizar experiências potencialmente iluminadoras.
Deste modo, o segundo passo é organizar e planear a ação. Para tal, seguimos o conselho de Angela Duckworth, autora do livro Grit, fazendo o seguinte exercício: Visualizar os seus objetivos numa pirâmide hierárquica com 3 níveis (4).
No topo está o seu objetivo final, neste caso, o seu propósito, ou seja, a frase de 10 palavras ou menos, ou se, ainda não conseguiu escrevê-la, use o seguinte objetivo final: Descobrir o meu propósito.
No meio, estão os objetivos intermédios, que são mais discretos do que o objetivo final, mas ainda assim grandes, e alinhados com o nosso propósito. São o género de objetivos que usamos para definir metas, como por exemplo: ajudar mais a comunidade ou realizar atividades novas.
Na base desta pirâmide hierárquica, estão os objectivos primários, que sustentam os outros objectivos, criando a acção e o compromisso necessários para conseguirmos alcançar o nosso objectivo final, descobrir o nosso propósito ou trabalhar sobre ele. Estes objetivos primários são tarefas específicas e concretas que podemos realizar num futuro bastante próximo. É deste modo essencial conseguir cumprir estes objetivos primários para se chegar ao propósito, no topo da pirâmide.
Os trabalhos de Edward Locke e Gary Latham (5) e de Peter M. Gollwitzer (6) demonstram a melhor maneira de cumprir estes objetivos simples. Lock e Latham analisaram centenas de estudos, desenvolvendo a teoria da fixação de objectivos, verificando que as pessoas que definem e descrevem os seus objectivos e metas têm uma maior taxa de sucesso. As características desta teoria foram simplificadas na metodologia SMART. Já Gollwitzer estudou a diferença entre intenções e ações e verificou que quando uma pessoa escreve detalhadamente quando, como e onde irá realizar a ação é muito mais provável que de facto a faça.
Seguindo os conselhos da ciência:
Defina os objectivos através da metodologia SMART:
-Specific (Específicos) : O que quer alcançar? Defina números específicos
-Measurable (Mensurável) : Como irá saber se alcançou o objetivo? Torne o seu objetivo rastreável
-Achievable (Alcançável) : Está ao seu alcance? Defina um objetivo desafiante mas possível
-Realistic (Realistas) : Consegue realisticamente alcançar? Seja honesto consigo mesma, pense no tempo disponível que tem
-Timeframe (Com prazo) : Quando é que o seu objectivo será alcançado? Defina um prazo limite
Exemplo: Ler 250 páginas de um ou mais livros por mês.
Escreva-os numa folha de papel, planeando quando, como e onde irá fazer os objectivos.
Exemplo: Quando me deitar, antes de dormir, vou ler 10 páginas do livro que está na minha cabeceira.
Comprometa-se publicamente com os objetivos.
A literatura demonstra que o compromisso público e passível de ser sancionado pode melhorar a realização de metas e objetivos (7). O site https://www.stickk.com/tour, facilita o processo, tendo desenvolvido ferramentas para assinar um contrato público, que aumenta em 2, até 3x a probabilidade de alcançar o seu objetivo.
Exemplo: Se não conseguir alcançar o meu objetivo, automaticamente perderei dinheiro para uma organização que tem valores contrários aos meus.
Resumindo, o caminho que aqui indicamos para trabalhar sobre o seu propósito é composto por várias etapas: 1) Reflexão sobre valores e paixão; 2) criação da pirâmide hierárquica de objetivos; 3) planeamento das acções para cumprir os objectivos; 4) compromisso público; 5) acção ou realização dos objectivos. Concluindo, através de uma escolha proativa para assumir o controlo da sua vida irá conseguir descobrir e trabalhar sobre o seu propósito.
P.S. Se não tiver tempo agora para realizar o exercício, faça o seguinte: Escreva numa folha de papel quando, onde e como irá realizar este exercício e coloque a folha num lugar bem visível em casa.
Referências
1. Adolescent Moral Development Lab, Claremont Graduate University (2018). The psychology of purpose. John Templeton Foundation. Retrieved from https://www.templeton.org/wp-content/uploads/2020/02/Psychology-of-Purpose.pdf.
2. McKnight, P. E., & Kashdan, T. B. (2009). Purpose in life as a system that creates and sustains health and well-being: An integrative, testable theory. Review of General Psychology, 13(3), 242–251. https://doi.org/10.1037/a0017152
3. Schippers, M. C. & Ziegler, N. (2019). Life Crafting as a Way to Find Purpose and Meaning in Life. Frontiers in Psychology, 10, 2778. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.02778
4. Duckworth, A. (2016). Grit: The power of passion and perseverance. Scribner/Simon & Schuster. https://doi.org/10.1037/0022-3514.92.6.108
5. Locke, E. & Latham, G. (1991). A Theory of Goal Setting & Task Performance. The Academy of Management Review. 16. https://doi.org/10.2307/258875.
6. Gollwitzer, P. & Sheeran, P. (2006). Implementation Intentions and Goal Achievement: A Meta-Analysis of Effects and Processes. Advances in Experimental Social Psychology 38 (2006), pp. 69–119. 38. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(06)38002-1.
7. Hollenbeck, J. R., Williams, C. R., and Klein, H. J. (1989). An empirical examination of the antecedents of commitment to difficult goals. Journal of Applied Psychology. 74, 18–23. https://doi.org/10.1037/0021-9010.74.1.18