Dia de Não Comprar Nada
Por Coletivo Humanário
Com mais uma Black Friday e mais uma cyber monday à boca de uma época festiva de alto consumo, lembramo-nos que é também agora que se celebra, dia 27 Novembro, o Dia Mundial Sem Compras, ou Dia de Não Comprar Nada (Buy Nothing Day).
Esta data existe como protesto ao consumo desenfreado que se verifica cada vez mais nesta altura do ano, com efeitos bastante nocivos, para as pessoas e para o ambiente.
O ano passado foi reportado que globalmente, xs consumidores online gastaram cerca de 9 biliões (USD), representando um crescimento de cerca de 22% face ao ano anterior, constituindo-se como um dos eventos mais poluentes..
Um relatório refere mesmo que apenas no Reino Unido, durante a Black Friday em 2020, emitiram-se cerca de 429 mil toneladas de gases que contribuem para o efeito de estufa. Existem tantas transações a serem feitas que mais emissões e mais desperdício são produzidos. Para além das emissões com transportes e entregas, estes dias promovem um consumo extremo, com bens que frequentemente não precisamos, feitos de materiais de baixa qualidade ou não sustentáveis, e que a maior parte das vezes acaba no lixo sem qualquer uso — um estudo da Universidade de Leeds refere que 80% das nossas compras de Black Friday são deitadas fora ao fim de serem usadas 1 vez ou menos.
Do ponto de vista social também encontramos problemas, pois tamanha demanda está frequentemente associada à falta de condições laborais e a ciclos de pobreza desumanos que aprisionam muitas pessoas.
Por um lado, se podemos dizer que estes dias podem ser para muitas pessoas sem poder económico uma oportunidade de comprar algo que precisem e que de outra forma não poderiam custear, também é verdade que estes dias brincam com a ideia de que o nosso valor enquanto pessoas está associado aos bens que compramos e possuímos. O sentirmo-nos melhor através de compras e do consumo.
Alguns estudos da Psicologia sugerem que épocas de elevado consumismo são também épocas de grande stress. Estas podem ser particularmente difíceis para famílias, pais e mães com menor poder de compra, podendo levar a endividamento e a mais uma fonte de stress para o resto do ano.
Num livro de 2004 sobre “Psicologia e Cultura do Consumidor” Erika Rosenberg explica como a prática de mindfulness, ou atenção-plena, pode funcionar como antídoto ao consumismo.
Este argumento assenta em dois princípios:
Primeiro: o de que a publicidade e grandes corporações capitalizam sobre processos psicológicos poderosos que potenciam o automatismo nos nossos comportamentos de consumo. Aqui, o exercício de mindfulness pode tornar mais conscientes esses processos subjacentes a comportamentos de consumo que se possam ter tornado mais automáticos, podendo fazer com que o consumo seja mais uma questão de escolha, do que de impulso, mascarado de escolha;
Segundo: a ideia de que estas escolhas não-conscientes acerca do consumo são guiadas por uma necessidade de nos sentirmos preenchidxs e valorizadxs. Essa necessidade pode ser remediada pelo exercício de mindfulness não só através de aumento de consciência, como também pelo aumento de maior interconectividade entre pessoas. Assim, segundo a autora, o cultivo de mindfulness pode ajudar-nos a reduzir alguns efeitos destrutivos do consumismo na nossa sociedade, alertando-nos para como somos manipuladxs a comprar determinados produtos, aumentar a nossa consciência das consequências do consumismo, e facilitar a conexão entre pessoas.
Referências:
Rosenberg, E. L. (2004). Mindfulness and consumerism. In T. Kasser & A. D. Kanner (Eds.), Psychology and consumer culture: The struggle for a good life in a materialistic world (pp. 107–125). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10658-007