Estudando diversidade de género

Por Sofia Coelho

A identidade de género é uma característica fundamental da experiência humana e, até recentemente, a maior parte dos estudos sobre identidade e papéis de género focavam-se na experiência de pessoas cisgénero — pessoas cuja identidade de género coincide com o sexo atribuído à nascença — e falhava ao não incluir pessoas de género diverso — pessoas cujas identidades de género diferem das normas da sociedade. Entender como pessoas de género diverso identificam o seu género é um primeiro passo importante para desenvolver modelos mais inclusivos e atuais sobre identidades, categorização e representação mental de género.

Em primeiro lugar, é importante definir e compreender alguns conceitos [1,2]:

  • O sexo refere-se aos órgãos sexuais com que nascemos, os quais nos associam a um determinado género de acordo com as normas da sociedade.

  • A identidade de género é o conceito que temos de nós, as formas como nos identificamos e expressamos e que podem não ser necessariamente visíveis para os outros. Esta identidade é vista num espectro — pode ser masculina, feminina, uma mistura de ambas, ou nenhuma.

  • A diversidade de género refere-se a pessoas com identidades de género que não coincidem com as que lhes foram atribuídas à nascença. Inclui uma miríade de identidades além de homem e mulher, incluindo pessoas transgénero, não-binárias ou inconformistas de género (gender nonconforming).

  • Uma pessoa é transgénero quando a sua identidade de género não coincide com o género que é culturalmente associado ao seu sexo à nascença. Algumas pessoas transgénero identificam-se de forma mais binária (estritamente com o género masculino ou feminino) mas outras são não-binárias ou fluidxs. Isto significa que se não se identificam estritamente com um género, podem identificar-se com ambos, nenhum, ou uma mistura. Não existe uma só forma de ser transgénero.

  • Uma pessoa é inconformista de género quando não adere às pressões sociais para se conformar com normas e papéis de género.

Na última década, em muitas culturas ocidentais, o reconhecimento da diversidade de género tem vindo a aumentar. A ideia de diversidade de género diverge da visão tradicional que considera o género como uma categoria binária e discreta (homem ou mulher) que é tipicamente alinhada com o sexo atribuído à nascença. A investigação indica, precisamente, que o género pode ser mais complexo do que as conceções iniciais e que o número de pessoas que se identificam abertamente como sendo de género diverso parece estar a aumentar [3].

Num artigo de 2019, na revista científica Trends in Cognitive Sciences, Jennifer D. Rubin, S. Atwood e Kristina R. Olson reviram os desenvolvimentos da investigação sobre a psicologia da diversidade de género desde 2014. Neste artigo, xs autorxs focaram-se em experiências de pessoas de género diverso, medidas de investigação sobre a diversidade de género, perceções e atitudes para com pessoas de género diverso e saúde mental.

Trabalho na saúde mental

Grande parte da investigação inicial teve origem num modelo médico que via a diversidade de género como uma forma de doença mental. A identidade de género, como perturbação, apareceu pela primeira vez no Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais (DSM) em 1980. Em 2013, esta perturbação foi renomeada disforia de género de modo a refletir o sofrimento que algumas pessoas sentem devido à divergência sentida entre o papel de género socialmente esperado — dado o seu sexo atribuído à nascença — e a sua identidade de género. Nos últimos 5 a 10 anos, as perspetivas na Psicologia Clínica têm começado a mudar e a reconhecer os papéis do stress, discriminação e rejeição social das minorias como explicação para a associação entre identidades de género diversas e problemas de saúde mental como a ansiedade, depressão, suicídio e distúrbios alimentares. A disponibilidade e acesso a recursos de tratamento de saúde como hormonas, cirurgias e terapeutas, tem também aumentado. Como tal, a investigação tem examinado o bem-estar de pessoas que assumem a sua identidade, focando-se em quando e como esta afirmação (através de apoio familiar, mudança de leis, transições médicas) contribui ou não para o bem-estar.

Documentação de experiências de pessoas de género diverso

No maior estudo de investigação sobre as experiências de pessoas de género diverso [4] identificou-se: uma associação entre rejeição por parte da família e suicídio e outros indicadores negativos de bem-estar; que quase metade dxs participantes adultxs de género diverso experienciaram assédio anti-transgénero; e que as pessoas transgénero mostraram níveis mais elevados de desemprego e extrema probreza, comparativamente a pessoas cisgénero. Apesar disto, xs participantes indicaram também que os últimos anos têm apresentado mudanças positivas como visibilidade acrescida e aceitação de pessoas de género diverso.

É de mencionar que as crianças transgénero e não-conformistas (de género) diferem drasticamente dxs adultxs ao terem maior apoio familiar e a possibilidade de fazerem a transição mais cedo. Vários estudos parecem sugerir que o desenvolvimento de género de crianças transgénero que veem as suas identidades reconhecidas parece ser muito semelhante ao de crianças cisgénero [5].

Medição da identidade de género na Ciência Psicológica

Pessoas cisgénero frequentemente veem o seu género como menos binário e mais multidimensional do que as medidas utilizadas em estudos anteriores sugeriram. Por exemplo, um estudo recente sobre a identidade de género em crianças sugere que mais de metade reportaram identificar-se com vários géneros [6]. Xs investigadorxs acreditam que respostas abertas e medidas menos categóricas podem aumentar a compreensão do género para minorias e maiorias [7].

Avaliação e modificação de atitudes face à não-conformidade de género

As atitudes face a pessoas transgénero estão a melhorar e as pessoas cada vez mais percebem a discriminação face a pessoas transgénero como problemática [6]. Uma razão possível para esta alteração de atitudes é o facto de cada vez mais pessoas de género diverso se assumirem publicamente [4]. Esta exposição, reconhecimento e conhecimento sobre minorias de género pode estar na origem da redução da transfobia e no aumento da aceitação de pessoas transgénero [9].

Como primeiro passo para o desenvolvimento de modelos mais inclusivos e atuais sobre identidade, categorização e a representação mental de género, seria importante começar por documentar informação descritiva básica — como entender como as pessoas transgénero e não-binárias identificam o seu género. Outro passo necessário inclui envolver pessoas de género diverso não apenas enquanto participantes, mas também enquanto investigadorxs na investigação psicológica sobre diversidade de género. Investigação futura deve analisar como certos ambientes sociais (por exemplo, quando pessoas de género diverso são impedidas de utilizar as casas de banho públicas que correspondem à sua identidade género) impactam negativamente a saúde destas pessoas e podem contribuir para o aumento de violência face a pessoas de género diverso.


Referências

  1. Rubin, J. D., Atwood, S., & Olson, K. R. (2019). Studying gender diversity. Trends in Cognitive Sciences, 24(3), 163–165. https://doi.org/10.1016/j.tics.2019.12.011

  2. Anti-Defamation League. Terminology related to transgender and gender-nonconforming identity. https://www.adl.org/sites/default/files/documents/assets/pdf/education-outreach/terminology-related-to-transgender-and-gender-non-conforming-identity.pdf

  3. American Psychological Association. Gender. September 2019. https://apastyle.apa.org/style-grammar-guidelines/bias-free-language/gender

  4. Wilson, B.D.M. et al. (2017) Characteristics and Mental health of Gender Nonconforming Adolescents in California: Findings from the 2015–2016 California Health Interview Survey, The Williams Institute and UCLA Center for Health Policy Research

  5. James, S. et al. (2016) The Report of the 2015 US Transgender Survey, National Center for Transgender Equality

  6. Gülgöz, S. et al. (2019) Similarity in transgender and cisgender children’s gender development. Proc. Natl., Acad. Sci. U. S. A. 116, 24480–24485

  7. Martin, C.L. et al. (2017) A dual identity approach for conceptualizing and measuring children’s gender identity. Child Dev. 88, 167–182

  8. Morgenroth, T. and Ryan, M.K. The effects of gender trouble: an integrative theoretical framework of the perpetuation and disruption of the gender/sex binary. Perspect. Psychol. Sci. (in press)

  9. Flores, A.R. et al. (2016) Public Support for Transgender Rights: A Twenty-three Country Survey, Williams Institute, UCLA School of Law

  10. Barbir, L.A. et al. (2017) Friendship, attitudes, and behavioral intentions of cisgender heterosexuals toward transgender individuals. J. Gay Lesbian Ment. Health 21, 154–170

Carlos Costa