O impacto da identidade bissexual na satisfação sexual e relacional em casais de ambos os géneros

Por Sofia Coelho

A identidade sexual e afetiva de cada pessoa pode influenciar a qualidade das suas relações sociais e afetivas. Segundo um estudo recente, parece que a identidade terá impacto também na satisfação sexual e relacional não só dx próprix mas também dxs parceirxs.

A bissexualidade é frequentemente percebida como uma identidade transicional e as pessoas bissexuais como heterossexuais ou gays, tendo em conta o género da pessoa com a qual têm a presente relação (1). Estas situações não só fomentam o apagamento de identidades bissexuais (bisexual erasure), como também atitudes negativas da comunidade, família e amigxs ou dx próprix face à bissexualidade. Todas estas dimensões podem levar a dificuldades na relação (2,3) porque a identidade bissexual, além de influenciar x próprix, influencia também x parceirx. Pareceirxs podem, por exemplo, duvidar da sua capacidade em manter o interesse a longo prazo dx parceirx bissexual ou questionar-se se estx preferiria estar com alguém do mesmo género.

Kristen P. Mark, Laura M. Vowels e Amanda M. Bunting publicaram em 2020 um artigo na revista científica Journal of Bisexuality no qual tentaram responder a duas questões:

  1. Como é que o nível de outness (grau em que se vive assumida e publicamente a identidade bissexual) e os sentimentos de pessoas bissexuais face à identidade bissexual influenciam a sua satisfação sexual e a dos seus parceiros?

  2. Como é que o nível de outness e os sentimentos de pessoas bissexuais face à sua identidade influenciam a sua satisfação relacional e a dos seus parceiros?

No estudo em causa, participantes bissexuais foram questionadxs em que medida se identificavam com os seguintes conceitos:

a) Identidade bissexual:

  • Ilegitimidade da bissexualidade: “Bissexualidade não é uma identidade legítima e válida.”

  • Binegatividade antecipada: “Sinto que tenho de justificar a minha bissexualidade aos outros.”

  • Binegatividade internalizada: “A minha vida seria melhor se não fosse bissexual.”

  • Afirmação da identidade: “Tenho orgulho em ser bissexual.”

b) Perceção de identidade sexual positiva:

  • Autoconscienciosidade: “A minha identidade bissexual motiva-me a ser mais autoconsciente.”

  • Autenticidade: “Eu aceito a minha identidade bissexual.”

  • Intimidade: “A minha identidade bissexual permite-me entender melhor x meu parceirx sexual.”

  • Comunidade: “Sinto-me incluído na comunidade bissexual.”

  • Justiça social: “Como uma pessoa bissexual, é importante para mim agir como defensor dos direitos bissexuais.”

c) Nível de outness, nomeadamente se a família, mundo e comunidade religiosa têm conhecimento e abordam facilmente a orientação sexual ou não.

Além destas questões, xs participantes, juntamente com xs parceirxs heterossexuais, foram questionados sobre a sua satisfação sexual (“Como descreveria a sua relação sexual com o seu parceiro?”) e relacional (“Como descreveria a sua relação, no geral, com o seu parceiro?”).

Quanto à satisfação sexual, os resultados do estudo sugerem que pessoas bissexuais que sentem que a sua identidade facilita a proximidade e intimidade com xs parceirxs e como compreendê-lxs melhor e às suas necessidades, mostram maior satisfação sexual. De facto, estudos anteriores sugerem que uma maior compreensão, partilha e confiança entre parceirxs são aspetos fulcrais na intimidade dos casais (4) e que esta pode ter efeitos positivos na disposição diária (5).

Pelo contrário, quanto maior o sentimento de ilegitimidade da bissexualidade experienciado pela pessoa bissexual, menor a satisfação sexual de ambos os parceiros. Porém, quando xs participantxs sentem que a sua vida seria melhor se não fossem bissexuais, xs parceirxs heterossexuais sentem uma maior satisfação sexual. Uma razão apontada para este efeito é o medo de não se ser suficiente e de experienciar rejeição sexual (6) ser menor se x parceirx bissexual tiver internalizado crenças negativas sobre a sua própria identidade.

De modo semelhante, quanto mais assumida está a pessoa bissexual para a família, menor a satisfação sexual dx parceirx.

Quanto à satisfação relacional, os resultados do estudo sugerem que quanto maior o sentimento de ilegitimidade da bissexualidade experienciado pela pessoa bissexual, menor a satisfação relacional de ambxs xs parceirxs. De facto, a identidade bissexual é frequentemente vista como uma “fase” prévia à homossexualidade e não como uma identidade legitima (7,8,9), o que pode ter consequências negativas para o sucesso das relações.

Tal como na satisfação sexual, quanto mais assumida está a pessoa bissexual para a família, menor a satisfação relacional dx parceirx. No entanto, investigação prévia sugeriu que o nível de outness está associado a melhor saúde (10,11), o que é paradoxal com este resultado.

Este estudo realça a importância de reconhecer o papel da identidade bissexual em relações de compromisso e de avaliar e discutir o papel que a identidade pode ter na satisfação sexual e relacional de pessoas bissexuais e dxs parceirxs.

Em contexto clínico, intervenções focadas no desenvolvimento e fortalecimento da identidade bissexual positiva e no sentimento de legitimidade da identidade bissexual podem ser benéficas para a satisfação sexual e relacional de ambxs xs parceirxs, o que pode ajudar a reduzir aspetos negativos na saúde mental da população bissexual (12,13). Ao trabalhar com casais em que, pelo menos, uma pessoa se identifica como bissexual pode ser importante entender como ambxs xs parceirxs vêem a identidade minoritária, como a abordam e como podem trabalhar para fomentar atitudes mais positivas quanto à identidade bissexual. Por fim, pode também ser importante ter em conta o papel da família e o seu envolvimento na satisfação do casal.


Referências

  1. Mark, K. P., Vowels, L. M., & Bunting, A. M. (2020). The impact of bisexual identity on sexual and relationship satisfaction of mixed sex couples. Journal of Bisexuality. DOI: 10.1080/15299716.2020.1734137

  2. Paul, R., Mohr, J. J., Smith, N. G., & Ross, L. E. (2014). Measuring dimensions of bisexual identity: Initial development of the bisexual identity inventory. Psychology of Sexual Orientation and Gender Diversity, 1(4), 452–460. doi:10.1037/sgd00000692.

  3. Buxton, A. P. (2001). Writing our own script: How bisexual men and their heterosexual wives maintain their marriages after disclosure. In B. Beemyn & E. Steinman (Eds.), Bisexuality in the lives of men: Facts and fiction (pp. 157–189). New York: Harrington Park.

  4. Buxton, A. P. (2004). Paths and pitfalls: How heterosexual spouses cope when their husbands or wives come out. In J. J. Bigner J. L. Wetchler (Eds.), Relationship therapy with same-sex couples (pp. 95–109). New York: Haworth.

  5. Ferreira, L. C., Narciso, I., & Novo, R. (2013). Authenticity, work and change: A qualitative study on couple intimacy. Families, Relationships and Societies, 2(3), 339–354. doi:10. 1332/204674313X668569

  6. Mehta, C. M., Walls, C., Scherer, E. A., Feldman, H. A., & Shrier, L. A. (2016). Daily affect and intimacy in emerging adult couples. Journal of Adult Development, 23(2), 101–110. doi:10.1007/s10804–016–9226–9

  7. Buxton, A. P. (2006). When a spouse comes out: Impact on the heterosexual partner. Sexual Addiction & Compulsivity, 13, 317–332. doi:10.1080/10720160600897599

  8. Balsam, K. F., & Mohr, J. J. (2007). Adaptation to sexual orientation stigma: A comparison of bisexual and lesbian/gay adults. Journal of Counseling Psychology, 54(3), 306–319. 0167.54.3.306 doi:10.1037/0022-

  9. Friedman, M. R., Dodge, B., Schick, V., Herbenick, D., Hubach, R. D., Bowling, J., … Reece, M. (2014). From bias to bisexual health disparities: Attitudes toward bisexual men and women in the United States. LGBT Health, 1(4), 309–318. doi:10.1089/lgbt.2014.0005

  10. Rust, P. C. R. (2000). Bisexuality in the United States: A social science reader. New York, NY: Columbia University Press.

  11. Juster, R. P., Smith, N. G., Ouellet, E. , Sindi, S., & Lupien, S. J. (2013). Sexual orientation and disclosure in relation to psychiatric symptoms, diurnal cortisol, and allostatic load. Psychosomatic Medicine, 75(2), 103–116. doi:10.1097/PSY.0b013e3182826881

  12. Morris, J. F., Waldo, C. R., & Rothblum, E. D. (2001). A model of predictors and outcomes of outness among lesbian and bisexual women. American Journal of Orthopsychiatry, 71(1), 61–71. doi:10.1037/0002–9432.71.1.61

  13. Page, E. (2007). Bisexual women’s and men’s experiences of psychotherapy. In B. A. Firestein (Ed.), Becoming visible: Counseling bisexuals across the lifespan (pp. 52–71). New York, NY: Columbia University Press

  14. Godfrey, K., Haddock, S. A., Fisher, A., & Lund, L. (2006). Essential components of curricula for preparing therapists to work effectively with lesbian, gay, and bisexual clients: A Delphi study. Journal of Marital and Family Therapy, 32(4), 491–504. doi:10.1111/j.1752- 0606.2006.tb01623.x

Carlos Costa