Estudo sobre o impacto da literatura infantil sobre os estereótipos de género das crianças

Por Coletivo Humanário

Qual será o impacto que a literatura infantil de ficção pode ter nos estereótipos de género que formamos? Um estudo recente procura respostas.

As investigadoras partiram do princípio que como a literatura de ficção influencia crenças e atitudes de leitorxs de todas as idades, poderá ser uma ferramenta importante para superar crenças potencialmente prejudiciais tais como estereótipos de género rígidos. As autoras referem que a maioria da literatura infantil é centrada em protagonistas masculinos estereotipados, e personagens femininas habitualmente aparecem menos, falam menos e têm papéis menos emocionantes. A mesma discrepância parece ser verdade para livros cujas personagens principais são animais. Mais, quando personagens femininas aparecem desempenham frequentemente papéis de género estereotípicos, como por exemplo, cuidadoras da família.

As investigadoras refletem sobre como a literatura de ficção pode influenciar o desenvolvimento moral, ajudar a trabalhar competências de empatia, e ajudar a mudar as crenças dxs leitorxs. Assim, a literatura infantil pode ou reforçar crenças negativas sobre estereótipos de género, ou ser um mecanismo de intervenção que ajuda crianças a questionar e mudar essas crenças.

As investigadoras fizeram dois estudos, com crianças de 8–12 anos (estudo 1) e crianças entre os 10–12 anos (estudo 2) para determinar: (a) o impacto nos estereótipos de género quando xs participantes são expostxs a um excerto curto de literatura de ficção infantil e (b) o impacto que a exposição a um livro inteiro (multi capítulo) tem na mudança de estereótipos.

Os resultados sugeriram que:

  • A exposição das crianças a um excerto de livro não foi suficiente para alterar as suas crenças em estereótipos de género, independentemente das crianças serem expostas a um protagonista estereotípico ou não estereotípico.

  • A exposição a um livro inteiro pareceu alterar as crenças das crianças sobre estereótipos de género. Este resultado foi maior ainda nos rapazes (1) que foram expostos a uma história envolvendo um protagonista masculino e não estereotípico.

Estes resultados sugerem que material de leitura pode ter um impacto nas crenças e atitudes de jovens nestas idades, mas também indica (ao contrário de outros estudos) que os rapazes podem ser mais suscetíveis do que as raparigas à mudança das suas crenças sobre género, especialmente quando confrontados com personagens que não se alinham com os estereótipos de género socialmente construídos. As autoras avançam que este resultado sugere que os rapazes talvez não sejam expostos a protagonistas com masculinidades contra-estereotípicas tão frequentemente como as raparigas vão sendo expostas a feminilidades contra-estereotípicas, quer em social media, filmes e literatura contemporânea (fruto também de esforços feministas que ao longo das décadas procuram retratar as mulheres e raparigas de formas mais diversas). Os rapazes são também provavelmente mais estigmatizados se apresentarem comportamentos ou maneirismos contra-estereótipicos (vistos como femininos) historicamente penalizados pela maioria das sociedades.


Rodapé:

(1) Nos pré-testes feitos pelas investigadoras os rapazes tinham mostrado logo crenças mais estereotipadas do que as raparigas, apresentando por isso maior oportunidade para crescer nesta medida.

Referências:

Kneeskern, E. E., & Reeder, P. A. (2020). Examining the impact of fiction literature on children’s gender stereotypes. Current Psychology.

Carlos Costa