Homens e Mulheres: Mais Iguais do que Diferentes
Por Sofia Coelho
Tem sido debatido durante mais de um século se homens e mulheres são fundamentalmente diferentes ou semelhantes. De facto, durante séculos muitas pessoas têm-se fascinado com a ideia de que as diferenças entre mulher e homem são irrefutáveis e imutáveis. Mas será que é mesmo assim?
Esta revisão, publicada por Janet Shibley Hyde (2014) na Annual Review of Psychology, examinou a existência (ou não) de diferenças de género em desempenho cognitivo (desempenho matemático, rotação mental 3D, competências verbais e atitudes), personalidade e comportamentos sociais (temperamento, impulsividade, emoções, interesses, agressão, comunicação, comportamento de ajuda, sexualidade e liderança) e bem-estar psicológico (depressão, ruminação e autoestima).
A hipótese de semelhanças de género diz que homens e mulheres são semelhantes na maioria das variáveis psicológicas, mas não em todas. De facto, no geral, esta revisão, baseada numa série de meta-análises, parece concluir que a hipótese de semelhanças de género é apoiada por um elevado número de estudos. Por exemplo, áreas nas quais as diferenças de género parecem ser baixas ou triviais incluem desempenho matemático, competências verbais, algumas dimensões da personalidade (comportamento gregário e conscienciosidade), impulsividade ligada a sensibilidade a recompensas, temperamento (afetividade negativa), agressão relacional, comunicação (discurso tentativo ou indeciso *1), alguns aspetos de sexualidade (experiência de sexo oral, atitudes sobre sexo extramarital e sobre masturbação), eficácia de liderança, autoestima e autoconceito académico.
Por sua vez, as diferenças parecem ser moderadas ou elevadas em áreas como rotação mental 3D *2, impulsividade ligada à procura de sensações, agressão física, alguns comportamentos sexuais (masturbação e uso de pornografia) e atitudes sobre sexo casual, nos quais os homens parecem dominar. Noutras áreas como algumas dimensões da personalidade (concordância/amabilidade) ou o interesse por pessoas versus coisas, as mulheres parecem pontuar mais alto do que os homens.
Esta revisão também revela a importância do contexto. Alguns exemplos discutidos incluem:
Num videojogo em que se tinham de defender e atacar, as mulheres foram mais agressivas do que os homens quando os papéis estavam desindividualizados (isto é, os participantes não seriam identificados como mulher ou homem, nem usariam identificações) (APA, 2005). Estes resultados levaram a que alguns investigadores concluíssem que a ênfase nas diferenças de género na investigação sobre agressão é mal colocada e que é o contexto que tem um papel maior (1).
Apesar de os homens terem vantagem sobre as mulheres em testes de rotação mental 3D, estas diferenças podem ser menores quando o teste não tem limite de tempo (2) e podem resultar de aprendizagens informais e extracurriculares, como o facto de os rapazes jogarem mais desporto e videojogos.
Apesar de a evidência sugerir que existem semelhanças de género na maioria das variáveis psicológicas, continuarão a ser investigadas as diferenças psicológicas de género. Como tal, a autora sugere que as melhores abordagens para esta investigação são as interseccionais que consideram múltiplas categorias de identidade, diferença e desvantagem como género, cor de pele, etnia, deficiência, classe social, orientação sexual (3), e contextuais, através das quais são identificados contextos em que as diferenças de género aparecem ou desaparecem.
A investigação sobre diferenças e semelhanças de género é relevante porque devemos avaliar em que medida supostas diferenças psicológicas de género são verdadeiras, influenciando os processos cognitivos de homens e mulheres. Como vimos, apesar de estereótipos de género serem frequentemente utilizados e difundidos no dia-a-dia, parece que as semelhanças são maiores do que as diferenças. Mais importante ainda, parece que quando existem diferenças estas não se devem a diferenças entre um “cérebro feminino” e um “cérebro masculino,” mas sim a diferenças de contextos, situações, hábitos, e aprendizagens. Assim sendo, fica a questão: será que criamos contextos propícios a desenvolver ou eliminar diferenças de género?
Rodapé
*1 Discurso que não transmite autoconfiança e força através do uso de questões como “Foi um filme muito bom, não foi?” ou afirmações como “Estou mais ou menos interessada em…”.
*2 Competência espacial que consiste em que a pessoa rode mentalmente um objeto em 3 dimensões para determinar se coincide com um de vários outros objetos.
Referências
Hyde, J. S. (2014). Gender Similarities and Differences. Annual Review of Psychology, 65(1), 373–398. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010213-11505
APA (2005). Men and Women: No Big Difference. https://www.apa.org/research/action/difference
Richardson D. S. & Hammock G. S. (2007). Social context of human aggression: Are we paying too much attention to gender? Aggress. Viol. Behav. 12. 417–26
Voyer, D. (2011). Time limits and gender differences on paper-and-pencil tests of mental rotation: a meta-analysis. Psychon. Bull. Rev. 18. 267–77
Cole, E. R. (2009). Intersectionality and research in psychology. Am. Psychol. 64. 170–80