Matemática é coisa de rapazes!?
Por Pedro Garcia-Marques
Atualmente existem mais mulheres no ensino superior do que homens. Seria de inferir que, o facto de estas estarem em maioria, levaria a uma forte representação do sexo feminino nas varias categorias de profissões qualificadas. Porém, quando analisados os dados deparamo-nos com outra realidade: Igualdade de género no trabalho está longe de ser alcançada, especialmente nas áreas relacionadas com matemática. No entanto, temos razões para esperar um futuro mais igualitário, já que simples intervenções podem ajudar a resolver o problema.
Há muito que se pensa que quanto mais igualitário for um país em termos de género, maior será a semelhança entre interesses e escolhas ocupacionais de rapazes e raparigas. Se perguntarmos a uma pessoa comum na rua se acha que há uma maior percentagem de mulheres a estudar matemática ou engenharia na Finlândia ou na Argélia, as pessoas dirão: “bem, obviamente, Finlândia porque sabemos que esses são países com maior igualdade de género.” No entanto, o oposto é verificado, nascendo assim o conceito “paradoxo da igualdade de género”: Os países com maior nível de igualdade de género são os que apresentam um maior desequilíbrio na proporção entre homens e mulheres a estudar e trabalhar em áreas relacionadas com a matemática.
Uma explicação comum deste paradoxo, é que em países mais desenvolvidos, rapazes e raparigas têm uma maior liberdade cultural e económica para expressar as suas preferências intrínsecas e as suas diferentes e inatas personalidades. Parece, de facto, um argumento lógico. Se existem diferenças entre géneros, estas têm de ter uma explicação cultural ou biológica; então se o fator cultural está minimizado nos países nórdicos por já terem alcançado uma maior igualdade de género no que diz respeito aos direitos, o que é maximizado é o fator biológico e mulheres e homens sucumbem às suas identidades intrínsecas. Esta explicação levanta vários problemas, sendo que o maior é a suposição de controlo da variável cultural: será que o fator cultural está verdadeiramente minimizado nos países com maior igualdade de género?
Thomas Breda e colegas respondem a essa pergunta num artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences em dezembro de 2020. O paradoxo da igualdade de género pode ser explicado pela existência de diferentes normas culturalmente construídas por cada país.
Como medir normas sociais e estereótipos é sempre um desafio difícil, os investigadores escolheram criar um índice-padrão que tem como base as diferenças que rapazes e raparigas apresentam nas crenças que “ser bem sucedido em matemática depende inteiramente do próprio” e de “os meus pais pensam que matemática é importante para a minha carreira”; quantificando os estereótipos implícitos de género sobre aptidões para matemática e sobre educação e escolhas profissionais. Através de uma análise estatística rigorosa a respostas de cerca de 300 mil estudantes de 15 anos em 64 países, Thomas Breda e colegas verificaram que o estereótipo que “matemática é para rapazes e não para raparigas” é mais forte em países mais desenvolvidos e igualitários.
Mas porque é que países mais desenvolvidos apresentam uma internalização mais forte de estereótipos em relação a género e matemática?
Segundo os investigadores os dados recolhidos e a teoria existente indicam três razões:
O estudo da matemática tem um menor valor instrumental em países mais ricos, já que estudantes nesses países não precisam frequentar cursos relacionados com matemática para terem boas perspectivas de carreira e assegurar estabilidade económica. A análise estatística suporta esta ideia. Em países com menor constrangimento económico, as famílias com maiores rendimentos, apresentam um estereótipo mais forte.
Os países mais desenvolvidos e igualitários tendem a ter níveis mais altos de desempenho matemático e um desempenho médio em matemática mais elevado está associado com uma maior incidência estereótipo “matemática não é para raparigas”.
Os pais e mães com maior poder financeiro gastam mais tempo e dinheiro com xs filhxs, investindo em atividades mais estereotipadas e estão mais envolvidxs nas escolhas educacionais dxs mesmxs.
A teoria e os resultados acima reforçam a ideia de que a segregação de género nas diferentes áreas de estudos não diminuirá à medida que as sociedades se tornam mais desenvolvidas e igualitárias, já que os estereótipos e normas culturais determinam as escolhas académicas de cada rapariga (e rapaz) desde cedo. São necessárias intervenções que ajudem a ultrapassar as barreiras de estereótipos de género.
Que tipo de intervenções podem levar mais raparigas para as matemáticas?
Um excelente exemplo, é a intervenção desenvolvida por Susana González-Pérez e colegas que está descrita no artigo publicado na revista Frontiers in Psychology em Setembro de 2020. Gonzalez-Perez expôs 304 raparigas, com idades compreendidas entre os 12 e 16 anos, a sessões de apresentação e interação com mulheres bem sucedidas nas áreas da matemática.
Através da criação destas sessões, é reajustada a percepção de sucesso que as raparigas esperam alcançar. Isto porque a existência de modelos que rompem o estereótipo tradicional, aumenta a crença das raparigas de serem bem sucedidas na área, aumentando por sua vez a probabilidade de estas escolherem desenvolver carreiras nestas áreas.
De facto, os resultados da intervenção parecem ser bastante animadores na desconstrução deste paradoxo, já que estes investigadores conseguiram demonstrar que através apenas da exposição destas raparigas a modelos não convencionais e representativos das próprias, foi possível alterar as ideias formadas previamente, e até aumentar as suas expectativas de sucesso e aproveitamento em matemática.
Referências
González-Pérez, S., Mateos de Cabo, R., & Sáinz, M. (2020). Girls in stem: Is it a female role-model thing? Frontiers in Psychology, 11. doi:10.3389/fpsyg.2020.02204
Stoet, G., & Geary, D. C. (2018). The gender-equality paradox in science, technology, engineering, and mathematics education. Psychological Science, 29, 581–593. doi:10.1177/0956797617741719
Breda, T., Jouini, E., Napp, C., Thebault, G. (2020). Gender stereotypes can explain the gender-equality paradox. Proceedings of the National Academy of Sciences. 117. 10.1073/pnas.2008704117.