Psicologia do Genocídio

Por Carlos Gonçalves Costa/Coletivo Humanário

O genocídio é uma campanha de perseguição e eliminação de qualquer grupo identificável. O termo foi cunhado por um judeu polaco, que escapou ao Holocausto e lutou para que fosse reconhecido como uma forma de massacre. É definido pelas Nações Unidas como atos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, religioso ou racializado.

Perceber as motivações para o genocídio — para além das monetárias — e identificar potenciais entraves são questões fundamentais numa sociedade saudável.

A literatura e a investigação em Psicologia inicialmente apontaram para dois níveis de explicação: o nível estrutural, onde as explicações se focam na cultura, instituições e circunstâncias específicas de uma sociedade a dado momento na história; e o nível individual, onde as razões para estes crimes são específicas a cada participante, ligadas à personalidade, etc.

Contudo, conforme as abordagens foram evoluindo, considerou-se que esta separação era uma “falsa dicotomia”, no sentido em que o poder das variáveis estruturais, não sendo equivalente, pode causar uma eterna mudança a nível individual e de personalidade.

Estudos têm demonstrado ainda como duas das principais formas de influência social — uma área muito importante e estudada nomeadamente na psicologia social — estão conectadas ao genocídio.

A influência social refere-se às formas como as pessoas alteram os seus comportamentos em resposta à presença — real ou percebida — de outras pessoas.

As suas formas principais espelham-se em: Obediência à Autoridade, que envolve seguir ordens diretas de uma figura de autoridade, mesmo que cause sofrimento a outres; e Conformismo, que é quando ajustamos as nossas crenças e ações às expectativas do grupo.Existe ainda outro tipo de obediência, que vem de uma figura não de autoridade, a que se dá o nome de Compliance.

Todos estes modos, não só assumem um papel importante em como interagimos diariamente com outras pessoas, mas também no comportamento societal mais amplo.

A investigação em neurociência e Psicologia tem revelado como obedecer a ordens ou conformar-nos a um grupo pode afetar os processos cerebrais e alterar o nosso comportamento.

Também estudos qualitativos, nomeadamente em entrevistas a participantes no genocídio do Ruanda, a maioria identificou a obediência à autoridade como o primeiro fator que determinou o seu envolvimento nestes crimes.

No mesmo estudo, que também incluiu entrevistas a participantes no genocídio do Cambodja, quando questionados sobre sobre entraves ou formas de acabar com um genocídio, ambos os grupos referiram que sem ajuda e envolvimento externo os processos de genocídio não teriam terminado por si só. Outros exemplos históricos e argumentos também sugerem que, sem ajuda, estes processos não terminam até as comunidades oprimidas serem exterminadas.

Este é um insight e resultado importante quando pensamos não só no passado, mas também nas atrocidades que nas últimas semanas temos visto serem cometidas na Palestina. Experts de organizações como as Nações Unidas têm alertado para uma limpeza étnica e genocídio, apesar do silêncio e indiferença da “comunidade internacional”.

Outro aspeto importante é a Desumanização. Este método é usado em propaganda e distorce a percepção que temos de determinados grupos de pessoas, com o objetivo de os tornar sub-humanos ou até mesmo não humanos — e, portanto, não merecedores da nossa consideração. Desde a comparação de populações inteiras a terroristas perigosos, como vimos com a comunidade muçulmana, especialmente desde o 11 Setembro; a comparações a vermes, ratos, ou parasitas, como aos judeus na Alemanha nazi, ou as recentes afirmações do ministro de defesa Israelita que designou as pessoas palestinas de “animais sub-humanos”.

Estudos da neurociência evidenciam como, por exemplo, diferenças na ativação automática nas nossas redes cerebrais ligadas à cognição social — a forma como processamos, armazenamos e aplicamos informação de outras pessoas. Quando somos expostes a imagens de pessoas, essa ativação surge, mas desaparece ao olharmos para pessoas desumanizadas — surgindo atividade em outras áreas do cérebro ligadas ao nojo e ao medo.

A investigação explica que estes discursos desumanizantes aumentam a probabilidade de que um conflito fique fora de controlo, escalando a violência de forma significativa. Mas também esbatem a ideia de que nos protege a todes de crimes contra a humanidade: quando começamos a pensar nos nossos oponentes como sub-humanos é mais fácil tratá-los de formas como nunca trataríamos outro humano “como nós”, abrindo caminho para atrocidades.

Um estudo nos EUA concluiu que, das pessoas inquiridas, foram os perfis conservadores, mais velhos, que sentiram maior distância social das pessoas desumanizadas — com quem não se identificam. Tendem a olhar para o assunto de forma impessoal, fria, e através de posições de poder.

Possíveis formas de mitigar ou reverter os processos psicológicos da desumanização envolvem esforços de humanização, desenvolvimento de empatia, o estabelecimento de relações pessoais entre grupos opostos, bem como a busca de objetivos comuns.


Carlos Costa