Vulnerável à des(honestidade)
Por Helena Bento
Mentira, vigarice, batota, embuste, roubo e fraude, estes comportamentos não são correctos, legais e socialmente aceites, mas na verdade existe em cada um de nós um pouco de desonestidade. Explicamos tudo.
Vários estudos têm revelado que, de uma forma geral, cometemos pequenos atos desonestos, nomeadamente quando as circunstâncias o proporcionam.
O investigador Dan Ariely tem estudado aprofundadamente o tema da desonestidade no comportamento humano. No artigo Why we lie publicado em 2012 no The Wall Street Journal Ariely apresenta-nos algumas conclusões sobre o tema. Mas como foram conduzidos esses estudos sobre mentiras sem que as pessoas percebessem o real intuito?
Xs participantes resolveram problemas matemáticos que consistiam em observar cartões com diversos números decimais e encontrar pares de números que perfizessem a soma matemática de dez. Tinham o total de vinte problemas para resolver em apenas 5 minutos e, no final, recebiam uma recompensa de cinquenta cêntimos (em dólares americanos) por cada problema resolvido.
Para criar uma circunstância que facilitasse a desonestidade, xs investigadorxs pediram a metade dxs participantes que contassem o número de problemas resolvidos e colocassem a sua folha de respostas numa máquina destruidora de papel. No fim, xs participantes anunciavam quantos problemas tinham resolvido, eram pagos e dispensados.
À outra metade dxs participantes, xs investigadorxs pediram que, no final da tarefa, entregassem a sua folha de resposta ao experimentador, que confirmava as respostas correctas e pagava o participante de acordo com o número de problemas resolvidos(1).
No grupo em que as folhas de resposta eram confirmadas, o número médio de problemas resolvidos eram 4 em 20. No grupo em que as folhas de resposta eram destruídas, o número médio de problemas resolvidos era de 6 em 20.
Em média, os resultados dos dois grupos deveriam ser semelhantes — uma vez que xs participantxs eram distribuídos de forma aleatória em grupos equiparados, a sua capacidade matemática não deveria variar tanto. Assim, estes resultados sugerem que na situação em que não havia confirmação de resultados o contexto levou a que as pessoas mentissem sobre a sua prestação, ganhando uma recompensa ligeiramente superior do que era legítimo.
O facto de se destruir a folha de resposta protegia xs participantes de serem confrontadxs com a sua mentira.
E será que um valor de recompensa superior leva a mais desonestidade? Numa experiência semelhante à referida mas na qual os participantes podiam receber uma recompensa de dez dólares por cada problema mostra que este aumento na possível recompensa não aumentou a tendência para mentir quanto ao número de problemas resolvidos.
Por outro lado, algumas circunstâncias parecem levar a que a desonestidade duplicasse:
-Quando os créditos foram dados em fichas que eram posteriormente trocadas por dinheiro. Ou seja, ganhar dinheiro que não é legítimo está psicologicamente mais longínquo, quando é roubado em fichas. Neste caso, roubar fichas (que valem determinado dinheiro) é psicologicamente menos desonesto que roubar dinheiro.
-Quando um investigador disfarçado de participante, se levantava anunciando ter resolvido todas as charadas em 1 minuto (o que seria praticamente impossível) e assim abrindo o precedente para a batota.
Mas se a desonestidade pode ser desencadeada, poderá também ser minimizada ou controlada?
Sim! Numa outra experiência semelhante à primeira, os investigadores pediram aos participantes que, antes de resolverem os problemas, recordassem os dez mandamentos da bíblia, ou dez livros. No grupo que recordou livros observou-se o típico comportamento de ligeira batota, ou seja, anunciaram ter resolvido mais problemas do que tinham realmente resolvido. No grupo que recordou os mandamentos não houve batota, mesmo quando se repetiu a experiência com ateus.
Outra experiência em contexto real mostrou uma outra forma de reduzir a desonestidade. Quando uma seguradora automóvel pediu aos segurados que reportassem a sua quilometragem anual (prática solicitada nos EUA pelas seguradoras) a média de milhas dada pelas pessoas que assinaram no início do formulário “Declaro que as informações dadas são verdadeiras” foi maior comparado com as pessoas que assinaram apenas no final (26.100 vs 23.700). Tal como nas experiências, acima as pessoas tendem a mentir “um pouquinho”, aqui ao dizer que percorreram uma distância inferior à real.
A desonestidade parece poder ser potenciada por algumas características do contexto ou comportamentos, tais como observar outras pessoas a quebrarem as regras. Ou minimizada, ao recordar princípios que apelam à moralidade, ou ainda assinar em primeiro lugar como compromisso que daremos informações verídicas (semelhante à jura feita em tribunal).
Certo é que alguns participantes nestas experiências não mentiram, e outros mentiram muito, mas de uma forma geral, a maioria mentiu “só um bocadinho”.
Referências
Ariely, D. (2012, Maio 26). Why we lie. The Wall Street Journal.
(1)Ariely, D., & Jones, S. (2012). The (honest) truth about dishonesty. New York: Harper Collins